Caldeirão do Beato
Prof. José Cícero Gomes
Houve um tempo no nordeste brasileiro em que os beatos e beatas se multiplicavam, a religiosidade popular reinava entre a massa despossuída de bens materiais e de dignidade humana, em uma terra miserável assolada pela estiagem cíclica. O homem sem fé em Deus e no Padre Cícero (Padim Ciço), era algo raro entre os pobres sertanejos. Tão grandiosa era a religiosidade no meio popular que a Igreja Católica Oficial começou a ver com temor os movimentos do povo de caráter religioso e messiânico, e também a preocupava alguns fatos extraordinários ocorridos no meio popular.
A elite rural caririense uniu-se a cúpula do clero conservador, temendo o crescimento e a união dos miseráveis através da fé, do companheirismo, da solidariedade e da fraternidade que os levavam a perceber que eram todos iguais na mesma fé e nas mesmas dores. A borra de aristocracia caririense comença a se articular juntamente com a cúpula da igreja caririense contra a forma dos pobres sertanejos vivenciarem sua fé porque esta nova maneira de ser católico ameaçava os interesses dos mesmos.
Ainda nem se falava em religião libertadora nem no Brasil, nem em lugar nenhum, já se praticava uma nova forma de ser católico no Cariri cearense pelo Padre Cícero Romão Batista, pelos beatos e pelos romeiros da Mãe de Deus. Uma Igreja de vanguarda onde havia a valorização do leigo, e paralela a Igreja Católica oficial Esta religiosidade do meio popular resultou na articulação de grupos heterogêneos que formaram a unidade ideológica de caráter messiânico que marcou a comunidade do Caldeirão de Santa Cruz do Deserto sobre a liderança do beato José Lourenço.
É de fundamental importância esclarecer que havia dois beatos de nome José, um era serviçal do Padre Cícero, e o outro era o beato José Lourenço líder religioso do povo do Caldeirão. Este último chega a Juazeiro do Norte no ano de 1890, vindo do Estado da Paraíba. Zé Lourenço como era chamado pelos seus irmãos de fé e infortúnios, era paraibano.
Atraído pelas noticias das ações beneméritas de caráter humanitário e pelos milagres do padre Cícero muitos agricultores sem terras chegaram a terra da Mãe de Deus fugindo da fome, entre estes muitos que chegaram em 1890, estava José Lourenço. O jovem paraibano Zé Lourenço como era chamado o beato ao chegar a Juazeiro do Norte, com a idade de vinte anos . José Lourenço nasceu em 1870, filho de agricultores sem terra, cresceu vendo seus pais agregado à terra de um coronel latifundiário e explorador. Aos vinte anos ele fazia parte de uma irmandade de penitentes (uma fraternidade de homens e mulheres sofridas unidos pela fé, penitência e a oração). Ele era um agricultor experimentado e tinha muito amor à terra e ao trabalho da roça, era um homem perseverante de temperamento agradável e espírito tenaz, algo que contribui para se tornar líder de um povo.
O padre Cícero encaminha o beato com sua gente para o sítio Baixa Dantas de sua propriedade, sítio este que mais tarde fica para os padres salesianos, após a sua morte em 20 de julho de 1934. Esta propriedade do padre Cícero ficava próximo do Crato, ali o beato se fixa com sua gente e prospera. Alguns historiadores não conhecedores dos fatos afirmam que esta propriedade era de um tal coronel João de Brito, pecam nesta afirmação porque não existiu um coronel, mas um major João de Brito e era dono de uma pequena propriedade próximo de Juazeiro. Em 1914, o perímetro do sítio Baixa Dantas sofreu os resultados negativos da guerra, as plantações foram destruídas pelos inimigos do Padre Cícero, obrigando assim, ao beato e a seu povo se refugiarem em Juazeiro sob a proteção do Padim Ciço.
Em 1926, o beato José Lourenço fixar-se com seu povo na serra do Araripe no município do Crato numa localidade que ficou conhecida como Caldeirão do beato ou da Santa Cruz do Deserto. Quanto ao caldeirão há muitas afirmações erradas em alguns trabalhos, alguns dizem que o caldeirão era um sítio do Padre Cícero, mas erram duas vezes, primeiro porque não era um sítio e segundo porque nunca foi do Padre Cícero. O caldeirão era terras devolutas não agricultáveis que o beato José Lourenço juntamente com seu povo transformar em terras agricultáveis.
A formação social do Caldeirão
Vejamos inicialmente, como se deu o processo migratório de vários rincões do sertão nordestino para a região do Cariri cearense na década de noventa do século XIX e nas décadas de dez e vinte do século XX.
A formação social da comunidade do Caldeirão do beato Zé Lourenço formou-se por um único grupo social praticamente, por um exército de famintos retirantes que no início contabilizavam cerca de 400 famílias que foram atraídas pela pregação do beato. Famílias estas ávidas, por pães, justiça social e por um milagre que viesse mudar a sina ingrata de um povo cansado dos castigos da seca e da exploração patronal que os condenavam a miséria, a fome, a opressão, e a exclusão social.
Acabaram tendo proteção do Padre Cícero Romão Batista. O sacerdote lhe concedeu o direito de habitar uma propriedade abandonada, num sopé da serra do Araripe. Não demorou muito, onde fundou uma comunidade com base na fé, no trabalho e no amor ao próximo, a comunidade do Caldeirão de Santa Cruz do Deserto.
Quanto aos dados estatísticos sobre o número exato de homens, mulheres e crianças no Caldeirão não temos por que nunca foi feito um censo nem pelo beato, nem tão pouco pelo Estado que não se preocupava com esta gente até o momento que estes ameaçaram a normalidade do status-quo. Mas segundo pessoas que viveram sua juventude em Juazeiro do Norte na época da existência do Caldeirão do beato Zé Lourenço a estimativa é de 400 famílias, o saudoso senhor José Afonso Alves juazeirense que residia na época que foi entrevistado na Rua São Paulo 1410, eles deixou claro que a população de Juazeiro do Norte em 1932 não ultrapassava a casa de dez mil habitantes. Quanto ao Caldeirão não foi encontrados dados oficiais, mas os dados de Juazeiro conferem.
A articulação dos inimigos do Caldeirão
A idéia de que o Caldeirão foi uma “conspiração do silêncio”, um “Canudos Menor” e o beato José Lourenço teria reeditado Antônio Conselheiro na chapada do Araripe, no Sul do Estado do Ceará no início do século XX. Vem-nos a mente quando não conhecemos os fatos ocorridos no Caldeirão de Santa Cruz do Deserto.
De certa forma há muitas coisas em comum, mas José Lourenço difere do Conselheiro porque não há um discurso anti-republicano, o que há é uma pregação que chama campesino do Cariri Cearense a se libertar de toda forma de opressão do corpo e do espírito. A religiosidade popular que fomentou a fraternidade, a união e o trabalho produzindo desenvolvimento e dignidade humana na comunidade do beato. Foi o motivo que levou a elite rural local juntamente com a cúpula da Igreja do Crato, articularem o fim do Caldeirão do beato Zé Lourenço.
Criaram varias inverdades, tais como o povo do beato estaria adorando um boi como o povo de Moisés, o tal boi era Mansinho o seu nome, um boi que o Padre Cícero havia ganhado de presente de um romeiro, este fato se dar ainda quando o povo do beato ainda vivia em Baixa Dantas. O Caldeirão passou a ser visto pelos poderosos como uma ameaça maior. Logo, as calunias e as difamações sobre o beato e seu povo também se tornaram maiores e mais violentas, sob a liderança do bispo da cidade do Crato chegaram a dizer que o beato estava casando e batizando, fizeram uma denuncia formal na delegacia deste município afirmando que o beato era uma ameaça para a sociedade caririense, a queixa é registrada e o delegado do Crato manta uma intimação para o beato José Lourenço por um soldado. Este infeliz é encontrado morto por um chofer (motorista), e chega ao Crato pinicado de peixeira (faca) e este homicídio é atribuído ao beato e seu povo pelas autoridades do Crato que só queriam uma desculpa para destruir o Calderão de Santa Cruz do Deserto, até hoje não se deu comprovação da veracidade da culpa do beato e do seu povo neste crime, nem se foi uma artimanha (uma maquinação) da classe dominante para por a culpa em um povo ordeiro, trabalhador e tementes a Deus.
sábado, 15 de maio de 2010
Caldeirão de Santa Cruz do Deserto
Marcadores:
História regional (Região do Cariri )
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