sábado, 31 de julho de 2010

A história do Crato Cearense

História de Crato (1)

Por:
Armando Lopes Rafael


Vista parcial de Crato (bairro Ossian Araripe e início do Parque Grangeiro)
O Vale do Cariri
A cidade do Crato está localizada numa das regiões mais bonitas do Nordeste brasileiro: o Vale do Cariri, Sul do Estado do Ceará. A maioria dos historiadores opina que o povoamento deste vale pelo colonizador branco começou no início do século XVIII, ou mesmo no findar do século XVII. Atraídos pela fertilidade do solo, exuberância da vegetação e abundância dos mananciais d’água existentes nestes rincões, criadores de gado provenientes da Bahia e Sergipe del Rey trouxeram a esta região seus rebanhos e aqui construíram os primeiros currais. No Cariri eles já encontraram os primitivos habitantes da região, os indígenas da etnia cariri, espalhados por diversas aldeias, que emprestaram seu nome para denominar esta região.


Como tudo começou
Por volta de 1741, surgem os primeiros registros de um aldeamento dos índios Cariús, pertencentes ao grupo silvícola Cariri. Era a Missão do Miranda, fundada por Frei Carlos Maria de Ferrara, religioso franciscano, nascido na Itália. Este frade ergueu, no centro da Missão, uma humilde capelinha de taipa (paredes feitas de barro) coberta com folhas de palmeiras, árvores abundantes na região. O santuário foi dedicado, de maneira especial, a Nossa Senhora da Penha, a São Fidelis de Sigmaringa e à Santíssima Trindade. Até 1745 a imagem da Mãe do Belo Amor (foto ao lado) foi venerada na capelinha de Frei Carlos.Em volta da capelinha, ficavam as palhoças dos índios. Estes, além de cuidarem das plantações rudimentares, recebiam os incipientes ensinamentos da fé católica, ministrados por Frei Carlos. Aos poucos, nas imediações da Missão, elementos brancos foram construindo suas casas. Era o início da atual cidade do Crato. Não padece dúvidas de que o fundador do Crato foi o Frei Carlos Maria de Ferrara.

Vila Real do Crato





Em 21 de junho de 1764, a Missão do Miranda foi elevada à categoria de Vila, tendo seu nome mudado para Vila Real do Crato, em homenagem à homônima existente no Alentejo português. Com isso se cumpria o Aviso de 17 de junho de 1762, dirigido pela Secretaria dos Negócios Ultramarinos ao Governador de Pernambuco. Mencionado aviso autorizava o governador a criar novas vilas no Ceará, recomendando, entretanto, substituir a denominação dos povoados com nomes de localidades existentes em Portugal. A partir daí, a Vila Real do Crato foi trilhando a senda do processo civilizatório, sempre inspirado no que vinha de bom do Reino, ou seja, do que chegava da metrópole portuguesa. A marca do pioneirismo passaria a caracterizar a existência de Crato, como veremos nas postagens seguintes.
Notas:
1 - A história da imagem venerada em Crato com o nome de Mãe do Belo Amor
A imagem da Mãe do Belo Amor, pequena escultura de madeira, medindo cerca de 40 centímetros, é venerada, desde os primórdios da Missão do Miranda – origem da cidade de Crato – que data do segundo quartel do século XVIII. Presume-se que até 1745 esta pequena imagem foi venerada na humilde capela de taipa, coberta de palha, construída na atual Praça da Sé por Frei Carlos Maria de Ferrara.Esta estátua sempre foi aureolada por muitos fatos pitorescos e lendários. Monsenhor Rubens Gondim Lóssio, escrevendo sobre esta representação da Virgem Maria, em trabalho publicado na revista Itaytera, afirmou: “Herdada dos ancestrais indígenas, existia uma pequena imagem da assim chamada Nossa Senhora do Belo Amor, de todos venerada”.
Não nos foi possível apurar as razões que levaram Monsenhor Rubens a concluir que a imagenzinha da Mãe do Belo Amor fora herdada dos indígenas, primeiros habitantes do Vale do Cariri. Entretanto, no artigo já citado, ele menciona um fato que merece transcrição. Na segunda metade do século XX, um conhecido e respeitado ancião cratense, o Sr. José da Silva Pereira, secretário do Apostolado da Oração de Crato, escreveu ao então vigário da Catedral, Monsenhor Francisco de Assis Feitosa, um documento, do qual extraímos o texto a seguir transcrito:
"Há na nossa Catedral três imagens que representam nossa padroeira, Nossa Senhora da Penha. O que vou narrar nestas linhas se refere somente à primeira, que é a menor das 3, esculpida em madeira, como as duas últimas. Trata-se de uma bela imagem que honra a arte antiga e a habilidade de quem a preparou. Segundo dizem os antigos, ela tem para mais de duzentos anos, mas nada deixa a desejar às que se fazem atualmente. Pertencendo ao número das imagens aparecidas, ela tem também a sua lenda bastante retocada de suave poesia. Conta-se que fora encontrada em poder dos índios (sem dúvida os Cariris), passando às mãos de pessoa civilizada. Aqui toma vulto a lenda que gira em torno do seu nome, pois afirmava que, repetidas vezes, ela voltara ao cimo de pedra onde os indígenas a veneravam. Este fato miraculoso deu lugar à fundação da Capela, onde hoje é a nossa Catedral, naquele mesmo sítio, tão profundamente respeitado. Quanto à idade que lhe atribuem, provam-na os documentos referentes à fundação da povoação, hoje transformada nesta importante Cidade de Crato. Para mais corroborar o misticismo que a tradição empresta à nossa querida santa, ocorre que esta desapareceu de nossa igreja há mais de cinqüenta anos, voltando agora aos seus penates, onde está sendo venerada por grande numero de fiéis. Os antigos deram-lhe o nome de “Belo Amor”, o que prova a piedade filial dos nossos antepassados. Respeitemos o passado, sua história, suas tradições e suas lendas, que nos falam sempre daqueles que abriram caminho a nossa vida".
2 - A terceira foto postada nesta matéria é de uma vila localizada ao sopé da Chapada do Araripe, no município de Crato.Postei-a por ter a mesma paisagem e vegetação que emoldurava a antiga Vila Real do Crato nos seus primórdios.

Fonte: http://caririag.blogspot.com/2008/12/historia-de-crato-1.html

Um resumo da história cearense


A produção historiográfica da América - latina é eurocêntrica e ocidentalizaste, logo com o Brasil não seria diferente. Já que a história da conquista, da dominação e do expansionismo lusitano é construída com esta visão européia, ganhando até a expressão “Descobrimento do Brasil”, pois nega a historicidade do povo ameríndio. A Etno-história é uma ferramenta muito importante para exorcizarmos esta visão eurocêntrica da história do Brasil e podermos entender a origem não só dos ameríndios do Ceará, mas de todo o Brasil, e só através da etno-história poderemos montar o quebra-cabeça para termos condições de construímos a historiografia do Ceará colonial.

Além dessa visão eurocêntrica que tem um caráter fortemente ideológico e dominador, a versão oficial que atribui o descobrimento a Cabral está errada. O primeiro europeu a chegar ao Novo Mundo-Brasil foi o espanhol Vicente Pinzón que aportou no litoral cearense de Santa Maria de La Consolación (Mucuripe) na manhã do dia 26 de janeiro de 1500. Pinzón não é considerado o descobridor porque esta terra pertencia a Portugal conforme os termos do Tratado de Tordesilhas. - A origem do nome Ceará é imprecisa. No início era escrito com “s”: Siará, Seara, Ciará e Ceará, com diferentes significados conforme os diversos autores: “cantar forte”, “canto da jandaia”, “pequeno periquito”, “abundância de caça”, “caranguejo branco” ou uma variação de Saara (deserto africano). - Antônio Cardoso de Barros, donatário da capitania, não tomou posse da terra. O Siará Grande só começou a ser conquistada pelos portugueses no início do século XVII, com a bandeira de Pero Coelho( Forte de São Tiago, na Barra do Ceará) e com a missão catequética dos padres Francisco Pinto e Luis Figueira. Ambos fracassaram.

O mito fundador do Ceará foi formulado pelo romancista José de Alencar que atribuiu a conquista do território a um ato de amor entre a índia Iracema e o guerreiro branco Martim, pais do primeiro cearense , Moacir – o filho da dor. O guerreiro branco era Martim Soares Moreno que edificou na barra do rio Ceará o Forte de São Sebastião e é considerado pelos escritores românticos o “fundador do Ceará”. - Os holandeses invadiram o Ceará duas vezes; na segunda em 1649, levantaram na embocadura do rio Pajeú (enseada do Mucuripe) uma fortificação, a que deram o nome de Schoonenborch. A expedição saiu do Recife com o comando de Matias Beck, "a serviço da pátria e da Companhia das índias Ocidentais", pretendia encontrar prata no Monte Itarema, em Maranguape. O forte foi o centro das atividades militares e de exploração. Em 1654 os holandeses foram derrotados e entregaram o forte aos portugueses, que o reformaram (substituindo a construção de madeira por alvenaria) e dele fizeram quartel e sede do governo da capitania, com o novo nome de Fortaleza de Nossa Senhora de Assunção, berço da atual capital cearense. Entre 1621-56 o Ceará ficou submisso ao Maranhão. De 1656-1799 permaneceu na dependência de Pernambuco, o que dificultou o desenvolvimento local- Portugal ordenou o estabelecimento da primeira vila do Ceará em 1699 -a de São José de Ribamar-, que por anos se deslocou entre a Barra do Ceará, o Forte de Nossa Senhora de Assunção e Aquiraz, e só ficou definitivamente nesta localidade em 1713.

Fortaleza somente foi elevada à categoria de vila e capital em 1726 e não apresentou até a 2ª metade do século XIX, maior importância econômica-política. Em 1736, Icó foi elevada à condição de vila, a primeira do interior; Aracati alcançou a categoria de vila em 1748; Sobral, em 1773. - Os Jesuítas buscaram catequizar os índios nos aldeamentos que deram origem a vários núcleos urbanos da atualidade, como Viçosa do Ceará, Caucaia, Parangaba, Messejana, Barbalha e Baturité, entre outros. - Na economia o Ceará foi outro Nordeste, sem a riqueza da cana-de-açúcar ou o esplendor do pau-brasil. A ocupação econômica do sertão ocorreu com o avanço da pecuária conduzido por aventureiros atraídos pelos excelentes pastagens e do bom clima dos sertões. À proporção que conquistavam terreno, instalavam currais para nuclear os rebanhos que conduziam, e, sem demora, oficializavam suas conquistas com a obtenção de datas ou sesmarias. O avanço da pecuária levou a expulsão dos índios na “guerra dos bárbaros”. Alguns silvícolas foram domesticados e aproveitados no trabalho como vaqueiro, recebedores da remuneração em forma de quarta. A produção no séc. XVII de charque (Carne seca) foi um dos fatores para o crescimento de Aracati, tida como o “pulmão da economia cearense”. Sobral( “princesa da zona norte”)e Icó também merecem destaque na chamada “Civilização do Couro”.

A Revolta dos Padres ocorreu em 1817 em Pernambuco. Foi um movimento emancipacionista liberal e republicano. No Ceará apenas a vila do Crato, com a família Alencar, aderiu a revolta que foi sufocada e Bárbara de Alencar se tornou a primeira mulher presa por razões políticas na história do Brasil. - As províncias do Grão-Pará, Cisplatina,Bahia, Piauí e Maranhão não aceitaram a independência do Brasil.Nas duas províncias do nordeste as tropas portuguesas eram comandadas por Cunha Fidié. O Ceará teve decisiva participação na campanha contra o comandante português. Um exército improvisado, de mais de seis mil homens, sob as ordens de Pereira Figueiras e Tristão Gonçalves, enfrentou o inimigo em Caxias e fê-lo capitular , a 1º de agosto de 1823.

O Ceará participou da Confederação do Equador(1824), movimento separatista, liberal e republicano contra o absolutismo de D. Pedro I que outorgou a Constituição de 1824. Os principais líderes—Tristão Gonçalves, Pereira Figueiras, Pessoa Anta, Padre Mororó, entre outros,acabam mortos com o fracasso da revolta. - Em 1831, com a abdicação de Pedro I, O monarquista, coronel de Jardim, Pinto Madeira iniciou uma guerra civil no Ceará contra os liberais do Crato pela hegemonia do Cariri.Os jagunços que lutaram de ambos os lados mal sabiam as razões da guerra dos coronéis. Pinto Madeira foi derrotado, julgado e fuzilado em 1834.

Em 1840, ocorreu a Revolução de Sobral—conservadores tentaram assassinar o presidente liberal da província, senador Alencar. Este, porém, derrotou os inimigos. - O Ceará anuncia oficialmente a extinção da escravidão negra em seu território, sendo pioneiro no Brasil, em 1884.

Nessa campanha abolicionista, destaca-se Francisco José do Nascimento, o “Dragão do Mar”. O pioneirismo cearense deveu-se ao pouco peso do braço escravo na economia local, ao aumento do tráfico interprovincial de escravos, a resistência negra, ao movimento abolicionista e a seca de 1977 que arruinou a economia cearense. Francisco José do Nascimento: o “Dragão do Mar” – líder abolicionista- O plantio do algodão, voltado para o mercado externo, foi favorecido pela Revolução Industrial inglesa, Independência dos Estados Unidos e teve o apogeu com a Guerra da Secessão americana. Fortaleza,capital e cidade coletora e exportadora do algodão, teve importantes beneficiamentos. São dessa época: ruas calçadas e iluminadas a gás, rede ferroviária, telefones, lojas bem montadas, bons educandários. Chegavam as idéias novas com a “Academia Francesa” e os jornais cearenses se caracterizaram pelo espírito polêmico. Fortaleza assumiu a condição de principal cidade do Ceará, cresceu e se “aformoseou”, imitando os padrões parisienses, era a época do “Belle Epoque”.

A Padaria Espiritual se destacou entre os vários grupos intelectuais cearenses do final do século XIX . Fundada por Antônio Sales, os padeiros se reuniam no Café Java na Praça do Ferreira e agitaram a cultura local com humor e ironia. - O povo cearense assistiu bestializada a proclamação da República. Gerônimo Jardim, o último presidente monarquista, foi deposto e assumiu o poder Luiz Ferraz que faleceu em 1891.O novo governador João Cordeiro, afastado pelo deodorista Clarindo de Queiroz. Este foi deposto por uma revolta, ascendendo ao poder o grupo político do ex-monarquista e republicano “de véspera” Nogueira Accioly. - A oligarquia comandada por Nogueira Accioly dominou o Ceará de 1896 a 1912 com características de nepotismo (emprego de parentes nos cargos públicos), despotismo, corrupção e natureza monolítica. As razões da hegemonia aciolina devem ser buscadas na adesão à Política dos Governadores, violência contra a oposição, apoio dos latifundiários do interior do estado com destaque para o “pacto dos coronéis” articulado pelo padre Cícero Romão. A queda de Nogueira Accioly, apelidado de “babaquara”, ocorreu após uma revolta popular em Fortaleza e está ligada à “Política das Salvações” do presidente Hermes da Fonseca. As oposições comandadas por Franco Rabelo derrubaram Accioly, mas não alteraram o sistema oligárquico-clientelista. Apesar disso, o povo comemorou nas ruas de Fortaleza a queda do oligarca.

A Sedição de Juazeiro foi a deposição do salvacionista Franco Rabelo em 1914 pelos romeiros e sertanejos coaptados e comandados por Floro Bartolomeu, este aliado político e acessor do Padre Cícero, por motivos inerentes a conjuntura política caririense da época, Pe. Cícero aliou-se a oligarquia aciolista. O temor da Igreja Católica conservadora com o crescimento de uma igreja de vanguarda e popular de valorização dos pobres e excluídos produziu a questão religiosa de Juazeiro que se agravou ainda mais com o “milagre da hóstia” que virou sangue na boca da beata Maria de Araújo. O Bispo D. Joaquim não reconheceu este suposto milagre. Cícero morreu em 1934, excomungado pela Igreja Católica. Hoje há um intenso movimento dentro da Igreja por sua reabilitação. Para o povo do sertão, o Padre Cícero Romão Batista já é um “santo” e foi escolhido recentemente em votação popular o “cearense do século”.

Prof. José Cícero